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Se algo não pode ser escrito, ou pensado, ele pode ser fotografado” 
 Stanley Kubrick
Caso de identificação odontolegal, ilustração em detalhe da restauração em resina na face oclusal do primeiro molar inferior. Equipamento utilizado: câmera DSRL Canon T7i, Lente Canon EF 100mm f/2.8 Macro USM, com flash circular Yongnuo YN-14EX.

A frase do renomado cineasta e fotógrafo norte americano Stanley Kubrick (autor de clássicos como 2001: Uma Odisseia no Espaço), mesmo que elaborada em um contexto diverso da rotina pericial, diz muito sobre o poder da fotografia enquanto ferramenta de trabalho do perito. Isto porque, são inúmeras as circunstâncias nas quais as imagens complementam a escrita, facilitando o entendimento do laudo. Em determinadas situações, o processo de descrição de informações e detalhes observados pode ser tão complexo, que a imagem se torna indispensável.

A fotografia e lei

O Código de Processo Penal (CPP) cita, entre as etapas da cadeia de custódia, a fixação, descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito e a ilustração por meio de fotografias, filmagens ou croquis. Além disso, o CPP determina que os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados, recomendando ainda, sempre que possível, a fotografia de todas as lesões externas encontradas e vestígios deixados no local. Sobre as perícias de laboratórios, sempre que conveniente, os laudos também devem ser ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.

No mesmo sentido, o Código de Processo Civil (CPC) faz referência à utilização de fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia para instrução do laudo pelo perito. As imagens se traduzem em ratificação do exame técnico-científico isento, asseguram a emissão de opiniões impessoais por parte do perito e, consequentemente, reduzem as chances de questionamento sobre o exposto pelo profissional.

Além disso, servem à fundamentação mais simplificada, facilitando a exposição com coerência lógica e indicação de como o perito alcançou suas conclusões. Todas estas questões são diretamente citadas pelo CPC ao tratar do desempenho da função de peritos e assistentes técnicos. Sem dúvidas, são exigências aplicáveis a quaisquer âmbitos do direito, seja o criminal, civil, trabalhista ou em sede administrativa, entre a qual se insere o processo ético.

É possível, assim, afirmar que entre as competências desejáveis de um perito está o conhecimento básico sobre a tomada e o processamento de fotografias. Uma imagem mal realizada pode gerar o efeito oposto ao desejado. Distorções provocadas por más angulações, por exemplo, podem confundir a visualização do objeto ou informação que se deseja ilustrar.

Celular ou câmera: qual utilizar para obter fotografias periciais?

Por mais simples que pareça, a tomada fotográfica a partir dos modernos aparelhos celulares também requer um conhecimento básico quando se pensa na atividade pericial. Muitos não sabem, por exemplo, que as lentes dos aparelhos celulares são normalmente classificadas como grande angulares. Elas são construídas para que as pessoas, no uso social, possam fotografar com o maior enquadramento possível e como têm uma estrutura convexa, geram distorções a depender da proximidade do objeto fotografado. Tais distorções muitas vezes não são percebidas quando são registrados ambientes com enquadramento mais amplo, como o local em que um corpo é encontrado ou mesmo a disposição de uma ossada completa em uma mesa antropológica.

Por outro lado, a título de exemplo, caso a tomada seja realizada com a lente muito próxima ao objeto de interesse, a tendência é a ocorrência de distorções no centro da imagem. Uma outra questão diz respeito à sensibilidade à luz das lentes dos aparelhos celulares. Normalmente, estes equipamentos dependem de excelente iluminação, uma vez que as lentes são originalmente configuradas para aumentar o fator ISO (sensibilidade do sensor à luz) em ambientes mais escuros, o que pode provocar ruídos importantes nas fotografias obtidas.

Posso utilizar meu aparelho celular para realização de fotografias em perícias?

O perito pode utilizar as câmeras de aparelhos celulares, especialmente se não tiver outra opção, mas precisa estar atento às configurações e características de seu aparelho, uma vez que, inclusive, existem celulares com possibilidade de modificação manual dos três pilares da fotografia (velocidade do obturador, abertura do diafragma-AF e sensibilidade-ISO) além de outras características como foco e balanço de branco, o que pode melhorar bastante o resultado final.

No entanto, em situações específicas, nas quais se deseja registrar detalhes com máxima qualidade, ou mesmo quando se pretende obter melhores imagens em ambientes externos, a recomendação é que sejam empregadas câmeras fotográficas DSRL (digital single-lens reflex) ou câmeras Mirrorless, com flashs acoplados, de preferência. Estas câmeras permitem configurações mais particulares, além do intercâmbio de lentes, a depender do objeto de interesse do profissional. Infelizmente, não há espaço para detalhes técnicos nesta postagem, mas vale a pena o colega que tem vontade em realizar fotografias de qualidade, com mínima distorção e maior fidedignidade, se aprofundar sobre o assunto.

As fotografias para fins periciais podem ser processadas?

Além da tomada fotográfica propriamente dita, muito pode ser realizado na fase de pós-processamento de uma imagem. Obviamente, não se deseja que um perito modifique fotografias digitalmente a ponto de alterar o entendimento sobre o que está sendo fotografado. O esperado aqui é o aperfeiçoamento das fotografias obtidas, com ênfase na apresentação das informações da melhor forma possível. Esse tipo de cuidado demonstra zelo e sensibilidade por parte do perito em apresentar um trabalho que seja, além de tecnicamente informativo, aprazível à leitura.

Diversas características podem ser configuradas no pós-processamento, desde recortes dos objetos de interesse, até redução de ruídos e melhorias relacionadas a brilho, contraste e cor. Em casos de comparação de imagens, as modificações são uma necessidade, especialmente no que diz respeito à apresentação de tamanhos e angulações mais próximas das imagens a serem confrontadas. Para isto, existem softwares nativos ou instaláveis, pagos ou gratuitos, seja para o sistema operacional Windows ou macOS, e até mesmo para os aparelhos celulares com Android ou iOS.

E como as fotografias podem ser aplicáveis nas perícias odontolegais?

Nas perícias específicas da área de odontologia a utilização das fotografias pode ser analisada em dois contextos principais:

1) ilustração de algum motivo (condição clínica, tratamentos, lesões, descrição de objetos, detalhes antropológicos);

2) confronto de imagens para fins de identificação.

Ao ilustrar algum motivo específico, o perito deve estar atento a critérios básicos da fotografia forense. Inicialmente, a iluminação do local deve ser adequada, uma vez que a fotografia nada mais é do que “escrever com a luz”. Neste sentido, é recomendável a utilização de equipamentos, seja o flash ou softbox, este último com o objetivo de tornar a luz mais difusa e mais ampla, proporcionando uma iluminação mais natural e suave. Atualmente, existem várias opções de dispositivos de iluminação fotográfica, a escolha dependerá especialmente da necessidade de portabilidade e espaços nos quais as tomadas serão realizadas.

Quanto à técnica fotográfica em si, é importante lembrar que imagens de lesões devem ser realizadas com o longo eixo da lente o mais perpendicular possível da superfície a ser fotografada, uma escala deve ser utilizada e pelo menos duas tomadas devem ser executadas, uma mais ampla, com o objetivo de localização da lesão no corpo, e outra mais aproximada, esta com foco nos detalhes. Não são raros os relatos de múltiplas fotografias de lesões, com ângulos muito fechados e posterior dificuldade de definição dos locais exatos de cada uma devido à falta de imagens em ângulos mais abertos adicionalmente.

A fotografia e a identificação humana
Caso de identificação odontolegal, imagens pós-processadas no software Adobe Photoshop.

Ao se pensar nas possibilidades relacionadas à identificação humana por meio do confronto de fotografias, é notório o avanço no estabelecimento de metodologias com tal finalidade. Silva et al. (2016) e Fernandes et al. (2017) são exemplos de publicações científicas de fácil acesso no portal da Revista Brasileira de Odontologia Legal (RBOL). Tais produções específicas sobre o assunto nos últimos anos facilitaram sobremaneira a aplicação das técnicas na rotina pericial.

Neste contexto, a falta de apresentação de documentações odontológicas prestáveis aos confrontos por parte de familiares sempre se constituiu na principal limitação das perícias de identificação humana com base em odontologia. Assim, a facilidade de aquisição de fotografias sociais com aparelhos celulares e de acesso por parte da perícia a tal material ampliou consideravelmente a oferta de amostras de referência para os confrontos.

Ainda no campo das identificações com base no confronto de imagens fotográficas, temos as perícias de comparação facial. Neste caso, as técnicas de identificação expandem as possibilidades de utilização das imagens, pois além das características visualizadas nos arcos dentários propriamente ditos, são confrontados aspectos faciais individualizantes.

Diante do exposto, destaco as fotografias entre as principais ferramentas de trabalho da perícia odontolegal e deixo o estímulo para os entusiastas da área intensificarem os estudos sobre técnicas e equipamentos fotográficos. O resultado certamente será a produção de relatórios com qualidade superior e muito mais compreensíveis para todos os interessados. E se uma das finalidades da perícia está em esclarecer os fatos, nada melhor que o fazer da forma mais objetiva. Como afirmado pelo fotógrafo Elliot Erwitt “o objetivo de tirar fotos é para que você não precise explicar as coisas com palavras”.

João Pedro Pedrosa Cruz (CRO-BA 7278)

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