Confira nessa matéria de blog todos os principais pontos das marcas de mordida dentro do contexto da perícia.
As marcas de mordida são lesões provocadas por dentes humanos ou de animais, em pessoas vivas, cadáveres, ou impressões deixadas em alimentos ou objetos. As maçãs, o queijo e o chocolate são os alimentos que melhor registram as impressões dentárias, os quais já contribuíram para a identificação de criminosos.
As mordidas geralmente representam ataque ou defesa. São comuns entre as crianças, brigas de casais e em situações de luta. Mas também costumam aparecer em crimes de violência sexual, abuso infantil e homicídios.
Através da mordida, os agressores costumam expressar raiva ou domínio da vítima. Já as vítimas, aplicam em momento de defesa, em que estão imobilizadas.
Possuem localização peculiar ao tipo de agressão. Em crimes sexuais são mais comumente encontradas nos seios, nas nádegas, abdómen e regiões genitais. Em agressões de lutas são os dedos, braços, ombros, nariz e orelhas.
Essa é a primeira interpretação que se faz da lesão. Nem sempre uma marca de mordida fica evidente que foi provocada por dentes. Dependendo do local da lesão e da força empregada pelo autor, pode manifestar apenas uma equimose amorfa, ou seja, uma mancha avermelhada ou arroxeada.
Esse é o segundo ponto a ser analisado. As lesões causadas por mordedura de animais são bem distintas das mordeduras humanas. As mordidas mais comuns por animais são os domésticos, cães e gatos.
Os animais possuem as arcadas dentaria com o formato estreito e longo; além dos caninos longos, possuem os demais dentes menores e mais afiados que os humanos. Assim, podem provocar lesões mais profundas, laceradas e até com avulsão de tecidos.
As marcas de mordida humana são geralmente superficiais, dependendo da força empregada pelo autor, apresentam equimoses e escoriações bem típicas. Mas, nos casos em que há emprego de força violenta, podem causar lacerações e até perdas de fragmentos corporais.
As marcas de mordidas também ocorrem nos casos em que, após a morte, corpos abandonados em locais que fiquem expostos, sofram ataques de animais, geralmente, roedores; e quando submersos em rios, por peixes.
A ABFO – American Board of Forensic Odontology, define a mordida humana como semicircular formada por dois arcos com uma área central sem lesão, em suas periferias podem conter abrasões, contusões e/ou lacerações.
A principal característica que as distinguem de animais ou outras lesões, é a presença de equimoses causadas pela pressão dos lábios e, no centro, pela língua.
Essa resposta é muito importante. É muito comum crianças pequenas se agredirem na creche ou em escolas, evidenciando descuido por parte das cuidadoras.
As marcas de mordidas de crianças diferenciam-se de adultos pela distância intercanina. Em crianças e adultos pequenos essa distância fica menor que 2,5 a 3,0 cm. Logo, se a mordida for superior a 3,0 cm, provavelmente, o autor é um adulto.
Em perícias, a possibilidade de a vítima ter se auto mordido deve ser considerada e analisada. Não é incomum as pessoas se auto lesionarem e tentar incriminar outra pessoa pela autoria. Nesses casos, a primeira análise é se a região afetada está no alcance da vítima, se sim, as arcadas da vítima são examinadas para excluir ou incluir a possibilidade.
O tempo de ocorrido é muto importante. Há crimes de maus tratos em que a vítima é rotineiramente agredida. Nesses casos, a análise pericial encontrará lesões que ocorreram em dias e semanas diferentes.
Dependendo do grau de violência empregado, a agressão irá lesionar diversos vasos sanguíneos, o que causará as equimoses. A reabsorção do sangue extrapolado pelo organismo irá alterar a coloração da equimose, com o passar dos dias a equimose será de vermelho, azul, verde à amarelo.
De modo similar é a análise em cadáveres, a presença ou ausência de reação inflamatória define se a lesão ocorreu em vida ou após a morte.
Foi uma marca de mordida realizada em vida e com extrema violência que levou um dos mais famosos seriais killers a identificação e condenação a pena de morte. O caso Teb Bundy, nos anos 70, EUA.
Muitas vezes as lesões não são muito evidenciadas a olho nu, nesses casos pode-se utilizar fotografia ultravioleta para melhorar o contraste entre a descoloração da marca de mordida e o tecido sadio.
Como vimos, as marcas de mordida dizem muito sobre os intensões do autor e o tipo de crime. A análise pericial pode inocentar um suspeito ou identificar o autor. Por isso o trabalho desempenhado pelos peritos odontolegistas apresenta grande importância nas análises das marcas de mordidas. Realizam a perícia por comparações metódicas e sistemáticas dos registros.
Nas marcas deixadas pelos dentes, são analisadas cada particularidade correspondente. Cada elemento dentário possui sua impressão própria. Não apenas anatômica, mas também de posição, rotações, desgastes, alinhamento, assim como as ausências de elementos dentários. Um conjunto de características que dão unicidade a impressão da mordida de cada pessoa. Assim, as características dentarias são como as impressões digitais e o DNA, individualizam as pessoas, permitindo segurança e objetividade na identificação humana.
O perito odontolegista realizara diversas fotografias da marca de mordida, distantes e próximas, com e sem flash, com e sem referência métrica, colorida e em preto e branco, para posteriormente, com o auxílio de um paquímetro digital realizar a métrica de cada elemento dentário.
O registro de mordida em placa de cera e as moldagens das arcadas dos suspeitos também auxiliam muito nessa avaliação. O confronto, ou a sobreposição das imagens, pode ser feito de modo manual ou com o auxílio do computador.
Se foi possível a coleta de saliva da lesão deixada na vítima, pode-se coletar a saliva dos suspeitos e realizar o confronto das amostras através da análise do DNA.
Através da genotipagem bacteriana da saliva já foram detectadas mais de 700 espécies bacterianas na cavidade oral. O estudo das combinações pode ser distinto entre as pessoas. Ou seja, as bactérias se combinam entre si no meio bucal, levando a uma coleção individual para cada pessoa.
– 1870, Ohio, Estados Unidos, Mary Lunsford foi encontrada morta em sua casa, com marcas de mordidas em um dos braços. A perícia analisou as marcas e as comparou com as características dentarias de 3 suspeitos, entre eles, Ansil Robinson, amante da vítima. A perícia o identificou como autor das lesões.
– 1954, Texas, Estados Unidos, um caso de um assalto admitiu as marcas de mordida em um pedaço de queijo encontrado na cena do crime como prova no processo judicial, incriminando o suspeito.
– 1972, Canadá, Wayne Clifford foi um serial killer e estuprador ativo de 1969 a 1971. Apelidado como “O vampiro estuprador” por deixar marcas de mordida nos seios de suas vítimas.
– 1974, Japão, um ladrão de supermercados que estava três dias seguidos realizando furtos foi identificado pela análise de uma maça mordida e deixada em um dos locais de crime.
– 1978, EUA, um dos mais famosos casos de serial killer foi a julgamento e condenação por uma única prova pericial, uma violenta marca de mordida em um dos corpos de suas vítimas. Ted Bundy foi condenado a pena de morte e alegou inocência por quase uma década após o julgamento. Antes de sua execução em 1989, ele confessou a autoria de trinta homicídios em sete Estados Americanos, de 1974 a 1978.
– 1998, um dos casos mais famosos do Brasil, Francisco de Assis Pereira, conhecido como o “Maníaco do Parque”. Ele violentava mulheres e algumas foram assassinadas. Deixava marcas de mordidas nas coxas das vítimas. Cerca de 7 mulheres foram mortas e 9 conseguiram fugir após sofrer agressões e lesões. Ele confessou 11 assassinatos e indicou a localização de alguns corpos de suas vitimas. Durante as investigações, o perito odontolegista comparou as marcas de mordidas deixas nas vítimas com as peculiaridades do sorriso do suspeito.
– 2004, uma organização pública americana, Innocent Project, que objetiva libertar condenados inocentes e prevenir condenações injustas, começa a utilizar DNA para ajudar as pessoas erroneamente condenadas por análises forenses. Dentre os mais de 300 inocentados, foram encontrados 24 casos por erros na análise de marcas de mordida.
– 2009, a National Academy of Sciences recomendou uma melhor investigação sobre pesquisas em marcas de mordida. Sendo que as pesquisas sobre a coleta de DNA de saliva foram consideradas mais eficazes. Com isso, houve diversos questionamentos em relação ao valor científico das marcas de mordidas usadas como prova forense.
A explicação dessas divergências esta no fato da análise pericial não ter sido feita por profissionais especializados, por ausência de técnica e sistemática no processo de avaliação, reforçando a importância da presença do perito odontolegista para a realização dessas perícias.
Assista:
Leia:
Aas J, Paster B, Stokes L, Olsen I, Dewhirst F. Defining the normal bacterial flora of the oral cavity. J Clin Microbiol. 2005; 43(11):5721-32. http://dx.doi.org/10.1128/JCM.43.11.5721- 5732.2005. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16272510/
Amorim, H. P. L., Melo, B. M. S., Musse, J. O., Silva, M. L. C., Costa, M. C. O. & Marques, J. A. M. (2016). Levantamento de marcas de mordidas humanas em vítimas de violência periciadas no Instituto Médico Legal de Feira de Santana-BA, entre 2007 e 2014. Arq. Odontol. 52(3). https://periodicos.ufmg.br/index.php/arquivosemodontologia/article/view/3711
Bhargava K, Bhargava D, Rastogi P, Paul M, Paul R, Jagadeesh H.G, et al. An overview of bite mark analysis. J Indian Acad Forensic Med. 2012; 34(1):61-6. https://www.ompj.org/files/22594bec381bb192a0407aea0b0d0869-5.pdf
Manica, Sheila, Difficulties and limitations of using bite mark analysis in Forensic Dentistry – a lack of science, RBOL 2016; 3(2):83-91 https://portalabol.com.br/rbol/index.php/RBOL/article/view/57/73
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