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O título é uma provocação, pois antes de 2019 o questionamento teria uma rápida e objetiva resposta: Não, não pode. O presente texto poderia terminar aqui e a vida seguiria…, porém, uma resolução do Conselho Federal de Odontologia passou a antagonizar as outras normas, tornando a resposta mais complexa. Então, vamos lá!

1) O que é Publicidade e Propaganda?

Definir Publicidade e Propaganda não é tão simples, pois há vários entendimentos. No próprio meio da Comunicação Social há divergências sobre seus significados, sendo por vezes até apresentadas como sinônimas.

Uma das definições é que a Publicidade (latim plublicus = relativo ao povo) seria as estratégias de comunicação usadas para comercializar um produto ou serviço e a Propaganda (latim propagare = propagar) teria a mesma intenção, porém para ao invés de promover algo mais concreto, visa a difusão (propagação) de “mercadorias” abstratas como ideias, crenças e valores.

Por isso que as inserções nos meios de comunicação que precedem uma eleição são denominadas Propaganda Eleitoral e não Publicidade, visto que a intenção é divulgar ou convencer o eleitor que o projeto de um candidato ou partido é o melhor.

Por exemplo: um dentista que expõe imagens ao público de um tratamento de clareamento dentário faz, intencionalmente ou não, publicidade para atrair clientes e “vender” a técnica com os produtos necessários. Ao mesmo tempo, o profissional faz a propaganda do conceito que sorriso com dentes mais brancos é algo a ser desejado pelo cliente.

Não obstante as semelhanças e diferenças, o dentista precisa saber que a publicidade e propaganda odontológica têm normas específicas e não podem ser confundidas com outras áreas de atendimento ao público como comércio ou outros prestadores de serviços. Existem procedimentos comuns, mas outros são proibidos ao dentista.

2) Quais são as normas que regulam a propaganda e publicidade odontológica?

Existem normas gerais relacionadas à publicidade e propaganda e normas específicas da odontologia que devem ser seguidas.

A) Normas Gerais:

A norma máxima que deve nortear as demais é a Constituição Federal (1988) que classifica como inviolável a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas e assegura o direito a indenização material e moral quando feridas (Art. 5 – X).

O Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei 8078/1990)é outra norma geral a ser obedecida. O CDC reconhece o consumidor como vulnerável (hipossuficiente) sendo necessário a ação governamental para protege-lo nas relações de consumo.

O consumidor deve ser informado sobre todas as particularidades do serviço prestado protegendo sua vida, saúde e segurança. A publicidade enganosa e abusiva é veementemente combatida pelo código.

Outra normal geral é o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (Conar 2021). O código somente autoriza o uso de imagens de pessoas que expressamente autorizaram a publicação.

No anexo específico para dentistas e outros, o código informa que os profissionais devem seguir as normas dos códigos de éticas próprios, bem como as regulamentações dos órgãos de fiscalização profissional e governamental competentes.

B) Normas Específicas da odontologia:

Apesar de antiga, a Lei Federal 5081/1966é a principal. Segundo o artigo 7 da norma é proibido o cirurgião-dentista expor ao público trabalhos odontológicos para atrair clientes.

O Código de Ética Odontológica (CFO 118/2012)desde sua primeira versão sempre foi na mesma direção da Lei 5081/1966. Entre os trechos que condenam o uso de imagens de pacientes na odontologia, o capítulo XVI sobre anúncio, propaganda e publicidade classifica como infração ética a exposição ao público de imagens e/ou expressões antes, durante e depois de procedimentos odontológicos (Art. 44).

Não obstante, em janeiro de 2019 o Conselho Federal de Odontologia publicou a Resolução CFO 196/2019 que liberou o uso de auto retratos (selfies) e imagens de diagnóstico e resultado de tratamentos desde que fossem seguidas algumas medidas.

Interessante que a resolução trocou as palavras ”antes e depois” por “diagnóstico e resultado”.

A Resolução CFO196/2019 causou confusão e levou a Associação Brasileira de Ética e Odontologia Legal (ABOL)a publicar uma nota técnica orientando e apontando os problemas da resolução.

O embate entre as normas levou a instauração de um Procedimento Preparatório na Procuradoria da República no Distrito federal para avaliar a legalidade da Resolução CFO 196/2019. O Ministério Público Federal emitiu um parecer reconhecendo que a Resolução não viola preceitos legais e infralegais referente à divulgação de imagens e arquivou o procedimento.

3) Se há normas em conflito sobre uso de imagens de “antes e depois” ou melhor “diagnóstico e resultado” de tratamentos odontológicos, qual prevalece?

Uma regra muito difundida sobre a hierarquia entre as normas é a Pirâmide de Kelsen. De acordo com o conceito do jurista tcheco-austríaco Hans Kelsen o ápice da pirâmide é ocupado pela Lei maior e as demais são escalonas descendo em submissão e acordo com as mais elevadas.

No Brasil, a Constituição Federal está no topo da pirâmide. Abaixo aparecem as Emendas Constitucionais. Mais abaixo encontram-se as Leis Complementares, Ordinárias e Delegadas, seguindo Medidas Provisórias, Decretos Legislativos e Resoluções. Por último na base aparecem as normas infralegais.

A Lei 5081/1966 é uma norma federal e, portanto, acima das resoluções dos Conselhos de Odontologia.

O Código de Ética Odontológica de 2012 e a Resolução 196/2019 estão em conflito e no mesmo patamar na hierarquia. Nesse casso a mais recente deveria prevalecer. Porém, a resolução 196/2019 altera o Código de Ética Odontológica e pelo regimento interno do próprio CFO para tanto há necessidade de ser feito em Assembleia conjunta com todos os Conselhos Regionais, algo que não foi observado. Esse fato faz que a validade da resolução CFO 196/2019 seja questionada por alguns.

4) Entendi, mas quero publicar imagens de antes e depois, digo resultado e diagnóstico de tratamentos odontológicos. Quais são os riscos e como fazer?

Sob o ponto de vista Ético, o profissional que publicar a imagens de diagnóstico e resultado seguindo rigorosamente a Resolução CFO 196/2019 não sofrerá procedimento administrativo, ou seja, perante aos Conselhos de Odontologia não haverá problemas, pois não é mais entendido como infração ética.

Já na área cível, no qual o cliente pode alegar insatisfação com o tratamento, as imagens de tratamentos odontológicos publicadas por dentistas podem suscitar uma forma de promessa de resultado, complicando e dificultando a defesa dos profissionais. Em outras palavras, a Resolução CFO196/2019 não é um salvo conduto contra processos civis e pode ser usada em desfavor do profissional.

Advogados orientam clientes insatisfeitos com tratamentos odontológicos a procurar as publicações de dentistas com imagens para serem anexadas aos processos e fundamentar a argumentação de propaganda enganosa e promessa de resultado.

Caso o profissional entenda os riscos e mesmo assim queira publicar, deve-se usar as imagens inicial e final do caso realizado pelo próprio dentista (pessoa física) com autorização do paciente para o uso da imagem. Não é permitido o transcurso do tratamento e obviamente não é permitido manipular as imagens com filtros e/ou programas.

Não se deve usar a expressão “antes e depois” e sim “diagnóstico e resultado”.

Pela resolução as Pessoas Jurídicas (clínicas, planos e outros) da Odontologia não podem publicar imagens de casos.

A autorização do paciente para o uso da imagem deve estar explicitada na publicação, bem como a orientação que as imagens representam o resultado específico para o caso em questão e que não podem ser usadas como generalização para outros tratamentos, mesmo que parecidos, pois a Odontologia não é uma ciência exata e os resultados variam de acordo com as características individuais de cada pessoa.

Deve-se fazer referência que a publicação está em acordo com o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/1990), com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (Conar 2021) e com a Resolução CFO196/2019.

5) Considerações Finais

A resolução CFO 196/2019 claramente conflita com as outras normas. As interpretações e atitudes quanto publicações de imagens já geravam muitos processos éticos antes da resolução e a partir de então, o número tende a aumentar devido a confusão criada.

Pelo jeito, no entender dos Conselho Federal de Odontologia, ratificado por orientações de alguns Conselhos Regionais a expressão “antes e depois” continua não valendo, pois carrega uma conotação sensacionalista e de comercialização da Odontologia. Já o termo “diagnóstico e resultado” pode. Parece que no entendimento de alguns, essa expressão é isenta da conotação mercantilista.

Fica trágico-cômico forçar o entendimento e concluir que se as normas proíbem imagens antes e depois na odontologia, então libera-se as imagens desde sejam de diagnóstico e resultado, como se o problema não seria as possíveis consequências do uso de imagens e sim a semântica. O “antes e depois” não pode, pois haveria problemas, mas “diagnóstico e resultado” pode, pois seria mais profissional. Claramente uma manobra eufemística.

O brilhante artigo Paradoxos da resolução CFO n.196/2019: “Eu tô explicando, prá te confundir” dos Professores Leandro B. Martorell, Mauro M. do Prado e Mirelle Finkler usa a canção do compositor Tom Zé para retratar a complexidade que o tema ganhou após a edição da resolução.

Vale observar que enquanto o Conselho Federal de Odontologia liberou o selfie e imagens de diagnóstico e resultado, o Conselho Federal de Medicina continua proibindo, pois entende do potencial uso para “sensacionalismo, autopromoção e concorrência desleal” (CFM 2126/2015), bem como uma possível fragilidade em casos de processos de pacientes insatisfeitos.

Autor: Sávio Domingos da Rocha Pereira

Mestre e Especialista em Odontologia Legal e Deontologia FOP/UNICAMP

Especialista em Dentística Restauradora – UFES

Professor na FAESA Centro Universitário – Vitória – ES

Professor Convidado na ABO-ES

Cirurgião-Dentista Clínico em consultório particular

Sugestão de vídeo: Aspectos éticos e legais nas postagens antes e depois em Odontologia

Veja também: A importância ético-legal do prontuário odontológico na rotina do cirurgião-dentista