A Osteologia Humana está para Antropologia Forense (AF), assim como o Sol está para a Terra. Difícil interpretar essa frase? Você sabe o que é Antropologia Forense?
Fugindo de definições mais rebuscadas, podemos dizer que a Antropologia Forense é uma ciência que lida com restos humanos, buscando sobretudo a sua identificação e a interpretação das circunstâncias da morte.
Ficou fácil? Então, é claro que a Antropologia Forense gira em torno da Osteologia. Se estamos falando de restos humanos, é fácil lembrar que os ossos e dentes são as estruturas mais resistente do corpo e por isso resulta que estes sejam o principal objeto de trabalho de um Antropólogo Forense e a Osteologia, evidentemente, tem como conceito o estudo dos ossos, nesse caso, humanos.
Para começar, o dentista pode trabalhar com Antropologia Forense (AF)?
A Antropologia Forense pode ser vista na graduação de Odontologia, inserida na disciplina de Odontologia Legal (OL), como foi nosso caso durante a graduação na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Então é sim uma área possível de atuação para nós, cirurgiões-dentistas (CDs). Além disso, está inserida entre as áreas de competência da especialidade em Odontologia Legal (Resolução CFO 63/2005), quando envolve perícia em vivos ou mortos, íntegros ou fragmentos, aliados à identificação humana. Entretanto, é preciso reconhecer que o conhecimento necessário para atuação na AF extrapola o foco da graduação e eu acrescentaria ainda o da especialização em OL, sendo necessários conhecimentos que vão muito além da Osteologia e desta enquanto área de atuação do CD, que é a estrutura da boca e da face, requerendo conhecimento sobre o esqueleto do corpo humano como um todo.
Voltando à Osteologia, falando sobre esqueleto, quantos ossos tem o corpo humano?
No geral o esqueleto humano adulto possui 206 ossos, popularmente divididos nos grupos cabeça, com 22 ossos, tronco, com 58 ossos e membros, com 126 ossos (64 superiores; 62 inferiores).
Esqueleto humano adulto? E tem diferença? Não são apenas ossos pequenos?
Temos muitas diferenças em um esqueleto infantil, ou melhor dizendo, nesse contexto, subadulto, entendendo essa denominação nesse contexto como “aqueles que não atingiram a maturidade”, ou que “cessaram o crescimento”. E, nesse sentido, dentre os “não adultos” uma série de fases ocorrem até o fim desse crescimento e os ossos acompanham essas mudanças.
Então quanto ossos tem o esqueleto de um subadulto?
Em cada uma das fases do desenvolvimento e crescimento há uma possibilidade numérica de ossos. Em um esqueleto infantil, por exemplo, podemos encontrar até 476 ossos. Veja que a diferença de um esqueleto adulto para um subadulto pode chegar a 270 ossos, mais do que a quantidade total em um indivíduo adulto.
E por que isso acontece?
Isso ocorre, em primeiro lugar, para permitir a passagem de um feto pelo canal vaginal durante o nascimento. É preciso que haja uma elasticidade e maleabilidade no corpo do bebê, para que possibilite ao organismo feminino permitir essa passagem. Em segundo lugar essa maior quantidade de ossos permite o crescimento em tamanho do indivíduo. Imagine o tamanho de um feto a termo? Seria possível essa passagem se este tivesse ossos rígidos e já formados? E eles conseguiriam crescer já articulados?
Para onde vão os 270 ossos de diferença entre um recém-nascido e uma pessoa adulta?
Esses ossos a mais nada mais são do que do que os ossos originais subdivididos, não formados ou em princípio de formação. E isso ocorre em virtude do processo de osteogênese, ou de maneira mais simples, do processo de formação dos ossos, que começa quando ainda somos um feto na barriga de nossa mãe, mais especificamente na 20° semana de vida dentro do útero.
E como acontece isso?
A osteogênese não é tão simples, mas traduzindo de maneira descomplicada, existem duas maneiras do osso se formar. São elas a ossificação endocondral, ou seja, o osso se forma a partir de um molde de cartilagem, que é gradualmente substituído por osso, ocorrendo principalmente em ossos longos. Já na ossificação intramembranosa, há a formação direta do osso a partir do tecido mesenquimal, sem uma fase cartilaginosa intermediária, ocorrendo principalmente em ossos chatos.
Será que um exemplo ajuda a entender? Como então ocorre então a formação de um osso do braço?
Imagine um cabo de vassoura (isso mesmo), no qual é possível observar a parte central e duas extremidades. Assemelha-se a estrutura de um osso longo, em que as extremidades são chamadas de epífises e a parte central é chamada de diáfise. E qual é a importância de se saber isso? Acontece que diferente do cabo de vassoura onde podemos observar uma estrutura única, o osso longo é formado separadamente, epífise e diáfise se formam independentes e estão ligadas por meio de cartilagem, se unido e ossificando ao se atingir uma determinada idade, tornando-se um osso único. Então, o que eram três ossos, com passar do tempo se torna apenas um. Consegue entender agora o motivo pelo qual um recém-nascido tem mais ossos que uma pessoa adulta?
E o que isso tem a ver com o “meio” forense, especificamente com a Antropologia Forense?
Imagina que a Antropologia Forense trabalha com restos humanos, ou seja, ossos. Se encontramos um esqueleto humano, o qual requer a sua identificação para esclarecimentos à justiça. Em se tratando de um subadulto, a depender da “quantidade de ossos” podemos identificar em que período da vida esse indivíduo se encontrava e assim direcionar o processo de identificação, a partir dessa informação.
E qual é a importância de saber que em uma determinada idade, as epífises e diáfises estarão unidas ou não?
Parafraseando Sherlock Holmes: – “Elementar, meu caro Watson”. É possível acompanhar o crescimento de uma criança avaliando radiografia dos ossos, observando a idade da criança avaliada com a fusão da diáfise com as epífises, e essa compatibilidade ajuda no estudo da estimativa de idade. Esse parâmetro observado em indivíduos vivos, permite a ocorrência de tabelas de estimativa da idade, que contribuem para Antropologia Forense e identificação dos que já não estão mais entre nós, para nos contar o que aconteceu. Outro ponto importante a se saber sobre essa formação óssea é a possível confusão entre ossos de pequenos animais com ossos de recém-nascidos ou criancinhas. Acontece que tudo retoma o ponto de fusão entre epífise e diáfise que é diferente entre seres humanos e animais. Geralmente, mesmo em ossos de pequenos animais as extremidades mostram-se unidas à parte central, o que se torna incompatível com um osso de um feto, por exemplo. Ou seja, podem assemelhar-se em tamanho, mas o formato apesar de parecido é diferente.
Frente a essa breve pincelada, compreende agora a importância do conhecimento em Antropologia Forense? E que o que foi relatado aqui está diretamente ligado à Anatomia, especificamente à Osteologia? Você sabia que além da identificação entre ossos humanos e não humanos por meio da análise do formato ósseo, é possível também estimar a idade de um indivíduo a partir de características do seu esqueleto? E que também é possível saber o sexo biológico, a estatura e outras características analisando o esqueleto, mas isso é conversa para outra hora.
Imagine que ossos foram encontrados em um local ermo e chama-se a polícia para averiguar. Será uma ossada humana? Será que foi um crime? Trata-se de apenas uma pessoa? Será que era homem ou mulher? Jovem ou idoso? É o profissional da Antropologia Forense quem poderá responder tais perguntas, ajudando a compreender a dinâmica da situação e esclarecer os fatos junto à justiça.
E se esse profissional não tiver expertise em Osteologia?
Então, se eu posso chamar a Osteologia de Osteologia Forense, deixamos a cargo de vocês.
Autoras:
Laíse Nascimento Correia Lima
Professora de Ética e Legislação e Odontologia Legal do curso de Odontologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – Brasil. Mestre e Doutora em Biologia Buco Dental, nas áreas de Odontologia Legal e Anatomia, respectivamente, ambos pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba – Universidade Estadual de Campinas (FOP/UNICAMP) – Brasil. Especialista em Odontologia Legal pela Universidade Estadual de Campinas (FOP/UNICAMP) – Brasil. Especializanda em Morfologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Graduada em Odontologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – Brasil.
Luana Souza Amorim
Cirurgiã Dentista formada pela Universidade Federal da Paraíba. Participou como bolsista (CNPQ) do programa de Iniciação Cientifica desde 2017. Foi estagiária no setor de Antropologia Forense do Núcleo de Medicina e Odontologia Legal da Paraíba (2022). Atualmente é aluna de Mestrado na Universidade de São Paulo (USP) no Programa de Patologia Experimental da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Pesquisadora no grupo de pesquisa DGP-CNPq de “Antropologia Forense e Identificação de Pessoas”, do Departamento da Polícia Federal em Brasília/DF.
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