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É possível estimar a face de um indivíduo a partir dos ossos do crânio?

Sim! Através das técnicas de aproximação facial forense, também conhecida como reconstrução facial, é possível reconstruir a face de um indivíduo à época da morte. Esta aproximação pode ser realizada de forma manual diretamente sobre o crânio ou sobre sua réplica, ou de forma computadorizada através da digitalização do crânio e de softwares para edição e modelagem da face.

A aproximação facial é um método auxiliar no processo de identificação humana, sendo o último recurso a ser aplicado quando não há suspeita de prováveis identidades para os remanescentes humanos encontrados. O objetivo desta técnica é possibilitar o reconhecimento da face reconstruída para que os métodos de identificação como análise das arcadas dentárias ou análise do DNA possam ser empregados.

Em livro sobre o tema, Caroline Wilkinson pontua que Ellis e colaboradores concluíram, em 1979, que o centro da face é fundamental para o reconhecimento de indivíduos. Esta região é composta por olhos, nariz e boca. Segundo Wilkinson, pequenas alterações nas estruturas faciais podem alterar significativamente a aparência e a caracterização da face, podendo dificultar o reconhecimento facial. Por isso, ao longo dos anos, a literatura científica vem se dedicando a pesquisar técnicas acuradas para estimar o formato da boca, do nariz e dos olhos a partir de dados obtidos no crânio. Neste contexto, o nariz apresenta-se como um desafio à aproximação facial forense.

 Por que é difícil estimar o formato do nariz a partir do crânio?

O nariz é composto majoritariamente por tecidos que se degeneram após a morte, como os tecidos vascular, adiposo, muscular e cartilaginoso. Portanto, as únicas estruturas presentes no crânio capazes de guiar a reconstrução forense do nariz são a abertura piriforme e os ossos nasais.

Diversas publicações internacionais apontam técnicas para estimar o nariz (comprimento, largura, projeção, formato do dorso nasal) a partir da abertura piriforme e dos ossos nasais. No entanto, estas técnicas não apresentam bons resultados quando aplicadas em indivíduos brasileiros, provavelmente devido à miscigenação do nosso país. Assim, pesquisadores brasileiros têm trabalhado para desenvolver técnicas de aproximação nasal forense eficazes e capazes de serem aplicadas no cotidiano pericial.

Em estudo recente, buscou-se, entre outros objetivos, testar o método proposto para estimar a largura nasal em indivíduos brasileiros. Para isso, 246 imagens de tomografia computadorizada de indivíduos brasileiros foram analisadas com o auxílio de softwares. De acordo com a técnica proposta, a largura nasal poderia ser estimada utilizando-se uma das seguintes equações, considerando sexo, dimensões da abertura piriforme, perfil facial vertical e idade:

Equação 11:

Largura nasal = 29,56 + (comprimento da base da abertura piriforme x 0,26) + 3,41 (para sexo masculino) – 1,18 (para face longa) + (idade x 0,06)

Equação 21:

Largura nasal = 23,77 + (largura da abertura piriforme x 0,42) + 3,31 (para sexo masculino)

No software, os autores mensuraram a largura nasal verdadeira (distância entre as cartilagens alares). Esta largura foi comparada àquela obtida através das equações descritas acima. A análise realizada mostrou que a diferença entre a largura nasal estimada e a verdadeira foi de aproximadamente 1 mm (para mais, quando empregada a equação 1; e para menos quando empregada a equação 2).

Os trabalhos no campo da aproximação facial forense são incipientes no Brasil, sobretudo quando se trata do desenvolvimento de métodos específicos para estimar o nariz. O artigo aqui mencionado utilizou uma amostra considerável composta unicamente por indivíduos brasileiros para avaliar parâmetros nasais que poderiam auxiliar a estimar esta estrutura na aproximação facial.

No trabalho citado, a diferença entre a largura nasal estimada a partir das equações por Strapasson e colaboradores e a largura nasal verdadeira foi muito pequena (inferior a 1 mm). Na prática da aproximação facial, estimar a largura nasal em aproximadamente 1 mm para mais ou para menos, certamente não comprometerá a relação espacial do nariz com os demais elementos faciais e, portanto, não influenciará negativamente o reconhecimento facial. Assim, qualquer uma das equações propostas para estimar a largura nasal pode ser aplicada na prática forense, confirmando os achados do estudo primário1.

 

 

Autora: Raíssa Ananda Paim Strapasson

  • Graduada em Odontologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • Especialista em Periodontia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • Mestre em Odontologia Legal pela Universidade de São Paulo.
  • Doutora em Odontologia Forense e Saúde Coletiva pela Universidade de São Paulo.
  • Professora Adjunta da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

 

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Leia o artigo na íntegra: Strapasson RAP, Costa C, Melani RFH. Forensic facial approximation: study of the nose in Brazilian subjects. J Forensic Sci 2019;64(6):1640-1645.

 

Outros trabalhos sobre aproximação nasal em brasileiros:

 

Referências:

  • Wilkinson C. Forensic Facial Reconstruction. Acta Biomed. 2009;80:5-12.
  • Wilkinson C. Facial reconstruction: anatomical art or artistic anatomy? J Anat. 2010;216(2):235-50.
  • Strapasson RAP, Herrera LM, Melani RFH. Forensic facial reconstruction: relationship between the alar cartilage and piriform aperture. J Forensic Sci 2017;62(6):1460-1465.
  • Miranda GE, Wilkinson C, Roughley M, Beaini TL, Melani RFH. Assessment of accuracy and recognition of three-dimensional computerized forensic craniofacial PLoS ONE. 2018; 13(5): e0196770.
  • Strapasson RAP, Baccarin LS, Melani RFH. Forensic Facial reconstruction: a systematic review of nasal prediction techniques. J Forensic Sci 2019;64(6):1633-1639.

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