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O que é a técnica de Aproximação Facial Forense?

A Aproximação Facial Forense (popularmente conhecida como Reconstrução Facial) é uma técnica que consiste em reconstruir a face de um indivíduo diretamente sobre seu crânio ou sobre uma réplica do mesmo 1,2,3. Quando executada no campo arqueológico ou histórico, busca a aparência de indivíduos que viveram em épocas passadas 4; no campo museológico, objetiva complementar o acervo de uma exposição; e no campo forense, é considerada um método auxiliar à identificação humana 5. Com o objetivo de recriar com o maior grau de semelhança possível a face do indivíduo, a primeira fase do processo consiste no levantamento do perfil bioantropológico da ossada remanescente, estimando-se, assim, o sexo, a idade, a ancestralidade e a altura do indivíduo até então não identificado 6,7,8.

Quais os métodos disponíveis?

Os princípios que guiam o método são fundamentados em três escolas:

  • Russa (método anatômico), preconizada pelo arqueólogo Mikhail M. Gerasimov, baseia-se na reprodução músculo a músculo da face, respeitando as suas inserções e origens nas estruturas ósseas do crânio sem identificação, seguindo-se, assim, aaplicação das demais estruturas anatômicas, de acordo com o levantamento antropológico prévio 3,4,9,10;
  • Americana (método dos marcadores de tecidos moles), criada por Betty Pat. Gatliff e Clyde Snow, tem como princípio básico o conhecimento e aplicação de marcadores craniométricos de referência a partir de tabelas de médias de espessura facial (que diferem de acordo com o sexo, a ancestralidade, a idade e o estado nutricional individual), reproduzindo a espessura de tecidos moles da face 4,11;
  • Britânica ou de Manchester (método misto), preconizada por Richard Neave, técnica de eleição na maioria das instituições forenses por utilizar técnicas comuns as duas escolas anteriores 2,12,13,14.

A face humana pode ser reconstruída manualmente ou em ambiente virtual, a partir dos princípios preconizados por uma das três escolas. A técnica manual utiliza material de modelagem, como plasticina, biscuit ou argila, enquanto a técnica computadorizada proporciona a reconstrução em ambiente virtual a partir da digitalização do crânio, utilizando softwares específicos de edição e modelagem 1,3,14,15. Neste último, softwares livres podem ser utilizados, sendo capazes de resultar em reconstruções faciais 3D com plausíveis níveis de acurácia e semelhança, podendo ter seu uso indicado nas investigações forenses 15.  Qualquer um dos meios escolhidos, respeitando a boa execução da técnica, são significativamente úteis para o reconhecimento da face recriada por familiares ou pessoas próximas ao indivíduo cuja identidade esteja sendo questionada no âmbito civil e/ou criminal, sendo um auxiliar de grande valia no processo de identificação 3,4,6.

Fonte: Artigo Original. Partial superposition of the forensic facial approximation created in a virtual environment (represented by the mesh of points created virtually) with the real AM face of the victim, stored in the civil identification database of the state of Rio Grande do Sul, Brazil.

 

Utilização da Aproximação Facial Forense na prática pericial.

O objetivo primordial do artigo aqui sugerido é reportar a aplicação da Aproximação Facial Forense em um caso pericial real no âmbito do Instituto-Geral de Perícias do Estado do Rio Grande do Sul. O protocolo de aproximação facial tridimensional (3D) de um crânio foi executado com softwares livres, onde as técnicas já consolidadas na literatura foram aplicadas em ambiente virtual 16.

Após levantamento do perfil antropológico17,18,19, o crânio foi digitalizado pela técnica da fotogrametria, sendo realizadas tomadas fotográficas padronizadas ao redor da peça e, as imagens digitais, processadas no programa Autodesk 123D (Autodenk, Inc., Califórnia, EUA), onde as nuvens de pontos foram editadas, com o ajuste de sua escala volumétrica, textura e alinhamento, finalizando o processo de obtenção de réplica digital de crânio, com precisão média de ±0,7mm em relação a escaneamentos a laser. A réplica digital de crânio foi importada no software Blender (Blender Foundation, Amsterdã) e, utilizando os esboços como estênceis, rascunhos individualizados de modelagem da face foram traçados no software MakeHuman (MakeHuman Org.), de acordo com o perfil antropológico da vítima.

A face criada no MakeHuman foi importada para o Blender, onde foi adaptada, modelada e esculpida sobre o crânio 3D e seus marcadores de tecido mole20 em ambiente virtual, numa aplicação em ambiente digital aberto da técnica americana. Após esse processo, a face criada foi sobreposta ao crânio e seus marcadores de tecido mole, respeitando suas características anatômicas, em um processo análogo ao que se faria na técnica manual, com a aplicação de camadas de material de modelagem sobre o crânio, interligando os marcadores de tecidos moles. Versões finalizadas da face foram renderizadas inicialmente em tons de cinza.

O índice de massa corporal (IMC) aplicado à reconstrução foi o médio, não estando a aproximação facial nem com sobrepeso nem com deficiência nutricional. Foram considerados apenas aspectos técnicos, não sendo reproduzidos, na imagem criada, cor de olhos, características capilares ou pelos faciais, exemplificativamente. A face criada em ambiente virtual foi reconhecida e os procedimentos legais de identificação foram encaminhados21,22, resultando na entrega do cadáver desaparecido aos seus familiares de modo mais ágil.

Deve ficar claro que a Aproximação Facial não é um método primário de identificação humana – tampouco deve ser aplicada indiscriminadamente na Antropologia Forense. Deve ser considerada um recurso de grande valia no estreitamento da busca que tem como propósito o reconhecimento individual, conduzindo ao objetivo final: a identificação humana por meio da execução específica de exames primários (odontológico ou genético), para estabelecer (ou não) a identificação de um indivíduo desaparecido.

O artigo, na íntegra, está disponível aqui.

 

Reportagens relacionadas

Reportagem 01 – Nova técnica de reconstrução facial do IGP pode otimizar a identificação de ossadas no RS

Reportagem 02 – Tecnologia ajuda a identificar crânio de desaparecido há quatro anos

Reportagem 03 – Reconstrução facial leva Instituto Geral de Perícias do RS a identificar jovem desaparecido

Reportagem 04 – Reconstrução facial identifica desaparecido

 

Esse texto foi escrito pela Dra. Rosane Baldasso
  • Graduada em Odontologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1996).
  • Especialista em  Ortodontia e Ortopedia Facial pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • Especialista em  Odontologia Legal pela Associação Brasileira de Odontologia – RS.
  • Mestre em Odontologia Legal pela Faculdade de Odontologia da USP – Universidade de São Paulo.
  • Doutoranda em Ciências Odontológicas pela USP com área de concentração Odontologia Legal.
  • Perita Criminal Oficial do Estado do Rio Grande do Sul – IGP / SSP RS.
  • Professora do curso de Especialização em Odontologia Legal da ABORS (clique aqui).

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