Autor convidado: Leandro Stocco Baccarin
Quando consideramos uma rápida análise da evolução da saúde suplementar no Brasil, é pertinente observar que os planos de assistência odontológica estão em franca expansão. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS (2020)1, vinculada ao Ministério da Saúde e responsável pela regulação do setor de planos de saúde no Brasil há 20 anos, desde a sua criação pela Lei n° 9.961, de 20002, os planos que são exclusivamente odontológicos apresentaram na última década um crescimento de mais de 18,1 milhões de vidas no segmento, disponibilizando em julho/2020 assistência odontológica a 25,2 milhões de beneficiários, mais do que o dobro do que o setor apresentava em 2006 (7,3 milhões)3. Em comparação, os planos médico-hospitalares não demonstram um crescimento setorial expressivo nos últimos 10 anos3, apesar de dispor em 2020 assistência médico-hospitalar a 46,7 milhões de Brasileiros.
Neste contexto, devemos considerar também a quantidade de cirurgiões-dentistas em atuação no Brasil, muito maior do que em alguns países desenvolvidos3,4. Vale destacar importante nicho de mercado, que disponibiliza e promove ao cirurgião-dentista a oportunidade de expansão do seu campo de atuação, ao aplicar o seu conhecimento clínico especializado no papel de auditor odontológico, além de outros requisitos, como conhecimentos da legislação aplicada, principalmente relacionada ao Código de Ética Odontológica5 e regulação setorial.
Antes de aprofundarmos sobre o tema, permita-me apresentar a você, caro leitor deste estimado Blog do Prof. Dr. Mário Marques Fernandes. Meu nome é Leandro Stocco Baccarin, sou cirurgião-dentista e atuo há 13 anos como auditor odontológico na área de gestão da qualidade de uma grande operadora de planos exclusivamente odontológicos. Em minha formação, tenho como especialidade a Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais, título obtido por meio de um curso de especialização e aprofundado em outro com maior abordagem clínica, em residência cirúrgica realizada em ambiente hospitalar. Da paixão acadêmica pela pesquisa, segui com o mestrado em Cirurgia e o doutorado em Odontologia Legal, este último influenciado pelo trabalho como auditor e pelo fascínio pelo campo da identificação humana.
A seguir, compartilho um pouco desse universo da auditoria odontológica e como os protocolos da área de Odontologia Legal auxiliam diariamente o trabalho técnico de auditoria, de uma forma qualificada.
O trabalho de auditor odontológico é regido basicamente pela legislação que se segue:
sendo esta última importante orientador do trabalho e das atribuições do auditor odontológico, instituindo a função específica e regulamentando suas atividades, sob o olhar da ética profissional odontológica. Definido em seu Art. 4º.8:
“Considera-se auditor o profissional concursado ou contratado por empresa pública ou privada, que preste serviços odontológicos e necessite de auditoria odontológica permanente para verificação da execução e da qualidade técnica-científica dos trabalhos realizados por seus credenciados” (CFO, 2001)8.
A Lei 9.656/987, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, marcou o início da regulação setorial no Brasil, foi direcionada mais especificamente a planos médico-hospitalares4, e definiu novas regras gerais para a operação em saúde suplementar no Brasil. A seguir, criou-se a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, por meio da Lei 9.961/20002.
Com a regulação setorial, houve um aumento de operadoras de planos de saúde no mercado, o que levou a um maior oferecimento de planos odontológicos, assim como a necessidade de investimentos em áreas de auditoria clínica odontológica nas operadoras, para a gestão especializada desses planos10.
Para responder a essa pergunta, a melhor recomendação a quem tem interesse na área é buscar por cursos de formação de auditores odontológicos. Temos cursos de excelência disponíveis em instituições de ensino que foram pioneiras no tema, e que são direcionados ao cirurgião-dentista, proporcionando a disseminação de conhecimentos específicos, como a introdução de conceitos e diretrizes importantes. Demonstram ainda como funciona a regulação do setor de saúde suplementar no Brasil, muitas vezes desconhecida do cirurgião-dentista já formado e que está, geralmente, representando um importante papel dentro do setor de planos de saúde, em atuação clínica como credenciado de alguma operadora de saúde.
Quanto a formação acadêmica, infelizmente são poucas as Faculdades de Odontologia que disponibilizam ao aluno de graduação aulas que geram conhecimentos ao futuro cirurgião-dentista sobre a atuação como auditor odontológico. Quando disponíveis, essas aulas são aplicadas dentro de disciplinas relacionadas à Odontologia Legal, que trazem o aluno à luz da ampliação dos horizontes profissionais e da possibilidade de atuação neste campo após a formatura.
Em pós-graduação, alguns cursos de especialização em Odontologia Legal têm em seus currículos de áreas conexas um módulo específico para formação em auditoria odontológica que, de forma aprofundada, alinham também outros importantes aspectos relacionados à auditoria em saúde e ao setor de saúde suplementar.
Uma vez que as operadoras são corresponsáveis pelos tratamentos realizados em seus beneficiários, por meio da composição e indicação da sua rede credenciada de cirurgiões-dentistas, o trabalho do auditor em uma operadora odontológica consiste, basicamente, em realizar e monitorar a qualidade técnico-científica dos tratamento clínicos, autorizando ou avaliando os trabalhos odontológicos já realizados em beneficiários9,11.
Essa avaliação é conduzida por meio da análise técnica-documental dos registros e imagens do prontuário odontológico9, geralmente por meio eletrônico, ou por meio do exame clínico realizado no próprio beneficiário. Esse último se apresenta cada vez mais incomum e em desuso, já que implica no deslocamento do beneficiário e consequente morosidade na aprovação e pagamento dos tratamentos realizados.
O monitoramento do tratamento odontológico é realizado pelo auditor, dentro do que se considera as melhores práticas e recomendações clínicas, que devem ser baseadas em diretrizes clínicas e evidencias científicas que norteiam o trabalho de auditoria tanto técnica como administrativamente. Para isso, a correta composição do prontuário odontológico analisado é fundamental.
Em caso de negativas, seja esta técnica ou administrativa, cabe ao auditor providenciar as medidas necessárias e emitir seu parecer técnico, por meio da ação do que se considera a ˜auditoria corretiva˜9: no prontuário do beneficiário são registrados os claros motivos que impossibilitaram o repasse ao prestador dos procedimentos avaliados, com foco na orientação para a correção da cobrança de procedimentos odontológicos glosados.
A negativa é direcionada exclusivamente ao cirurgião-dentista responsável pelo caso, possibilitando e provendo a este a reavaliação do caso, que então pode ser reapresentado à operadora de saúde para nova avaliação11, com os devidos registros complementares em prontuário para a revisão da glosa.
Há ainda a possibilidade de atuação também como assistente técnico em análise de reclamações de cunhos administrativos e judiciais, apoiando a área jurídica da operadora, por meio da emissão de pareceres técnicos específicos. O auditor pode ainda auxiliar na elaboração e interpretação de quesitos relacionados à produção da prova pericial relacionada a uma eventual lide jurídica da qual a operadora faz parte, conduzindo adequadamente a interpretação dos fatos aos interesses da justiça.
Em casos de desastres em massa envolvendo como vítimas beneficiários atendidos por dentistas da rede prestadora da operadora, prontuários digitais já auditados e arquivados podem ser oficialmente solicitados pelas autoridades à operadora de saúde, no sentido de captação de informações odontológicas ante mortem. Neste cenário, o auditor odontológico pode atuar na organização e validação dos prontuários odontológicos a serem disponibilizados, garantindo que os dados de tratamentos realizados e imagens clínico-radiográficas relacionadas estão corretos, colaborando assim com esse importante processo de identificação humana.
Concluo pontuando sobre um tópico interessante e que naturalmente desperta curiosidade, ao atuar como auditor: a identificação e registro de abusos e fraudes também é de competência do auditor odontológico ao realizar seu parecer técnico, que deve conduzir o caso sempre baseado em evidências documentais compatíveis e dentro dos preceitos éticos e legais.
Uma dica valiosa aos iniciantes na área: o auditor odontológico, em suas atribuições, deve pautar-se em evidências claras ao fundamentar seus pareceres, principalmente os relacionados à abusos e fraudes. Desta forma, única e correta como o diagnóstico de uma enfermidade, a credibilidade necessária e responsável é obtida, para que as providências administrativas e legais aos achados elencados durante o exercício profissional de auditoria odontológica sejam efetivas.
Autor convidado: Leandro Stocco Baccarin
• Supervisor de Gestão da Qualidade (OdontoPrev S/A);
• Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial (Conselho Federal de Odontologia – CFO);
• Ex-Residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo “Francisco Morato de Oliveira” – IAMSPE – FMO;
• Mestre em Ciências da Cirurgia – Faculdade de Ciências Médicas – Universidade Estadual de Campinas – FCM – UNICAMP;
• Doutor em Odontologia Legal – Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo – FOUSP.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5305387829892793
Referências:
Para saber mais odontologia legal, acesse nosso blog.