O dano é uma diminuição do patrimônio, quer seja material ou moral. Pode-se definir como uma destruição, inutilização ou deterioração que sofre a pessoa em relação a seu estado anterior, tanto em seus bens extrapatrimoniais como patrimoniais. O dano estético gera sempre prejuízos morais e, por vezes, também prejuízos materiais, pois pode refletir sobre a capacidade laborativa ou na capacidade de ganho.
A imagem de uma pessoa é uma construção complexa e com vários lados. Além da quantificação pelo próprio indivíduo, ela é um patrimônio que se valora externamente na relação interpessoal e que pode ter múltiplos objetivos como, por exemplo, estabelecer relações emocionais diferentes, vender um produto, provocar pena, convencer, dentre outros.
Quando a imagem de uma pessoa se altera, pode provocar diferentes danos na vítima e, quando isso ocorre, o objetivo prioritário é a reparação integral. No caso de não conseguir a restituição total da imagem da pessoa, o causador tem a responsabilidade de reparar as consequências.
A avaliação do dano corporal em direito civil praticada atualmente no Brasil apresenta falta de padronização de abordagem.
A uniformização de conceitos, métodos e linguagens é um passo fundamental para o estabelecimento de formas mais justas de indenização, visando à reparação integral do dano corporal. Conceitualmente, a valoração de danos é dividida em danos temporários e permanentes.
Os danos temporários quantificam aspectos tais como déficits totais ou parciais, repercussão na atividade profissional, também total ou parcial, e o quantum doloris.
Consolidadas as sequelas, valoram-se os danos permanentes, estando o dano estético inserido nessa classificação, juntamente com o déficit funcional permanente, a repercussão das sequelas na atividade profissional, e ainda a repercussão das sequelas nas atividades de desportivas, de lazer e sexual (estas últimas são de competência dos peritos apenas na metodologia européia. No Brasil ficam a critério dos magistrados).
Analisando especificamente o dano estético, verifica-se que em âmbito penal ele é limitado à noção de deformidade permanente. Já em sede civil, a questão pode ser analisada no que diz respeito à totalidade de suas implicações e reflexos.
Diferentemente da Europa, a avaliação do prejuízo estético no Brasil ainda é influenciada por fatores inerentes ao queixoso: idade, sexo, repercussão socioprofissional e estado civil, bem como por aqueles relativos às possibilidades de reparação: correções cirúrgicas e próteses.
Neste sentido, em estudos utilizando julgados no Brasil, o dano estético mostrou diferenças quanto à classificação entre estados brasileiros: no TJRS são avaliados como um terceiro tipo de dano, isolado, além dos materiais e morais; no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) são inseridos nos dano morais.
Ao compararmos os valores pagos por danos estéticos, morais e materiais nos processos de responsabilidade civil contra cirurgiões-dentistas julgados nestes dois Tribunais e identificando, no teor dos julgamentos, a utilização, pelo perito ou juiz, de algum método na avaliação da alteração estética, concluiu-se que os processos relacionados à responsabilidade profissional do cirurgião-dentista revelaram a tendência de os magistrados deferirem mais indenizações por danos morais do que por danos materiais.
Observou-se, ainda, a tendência de conceder valores elevados aos pedidos por danos estéticos, em média maiores do que os por danos materiais e morais. De acordo com os julgamentos analisados, não identificou-se na valoração dos danos estéticos qualquer análise, seja objetiva ou subjetiva. Após a avaliação e descrição das lesões, necessita-se atribuir pontos ou porcentagens com escalas numéricas, quantificando o prejuízo estético.
A verificação de como está disciplinada a liquidação do dano estético dos dispositivos legais de cada País é fundamental e, ainda, se existe alguma divisão entre dano fisiológico e estético, visando a não incorrer em dupla quantificação. Diferentemente do Brasil, na Espanha essa questão se apresenta dividida nas investigações, ou seja, pela Lei nº 35/2015.
Na Espanha, após o perito estabelecer um escore com número preciso e final de pontos, é possível fazer a conversão para valor indenizatório ao lesionado no respectivo quadro do dispositivo legal espanhol. Embora o Código Civil brasileiro preveja a reparação de danos por lesões, não disciplina sua liquidação nem tampouco fornece orientações sobre como analisá-los.
Primeiro vamos as explicações históricas e iniciais: originalmente proposto na Espanha pelo médico forense do Instituto de Medicina Legal da Aragón (Espanha) Dr. Juan Antonio Cobo Plana, o método de Análise da Impressão e do Impacto do Prejuízo Estético (AIPE) consiste numa ajuda orientadora em forma esquemática para quantificação do prejuízo estético.
Este instrumento é composto de quatro quadros, sendo o primeiro destinado à análise da impressão do impacto do prejuízo estético; o segundo, à valoração da categoria do prejuízo estético; o terceiro à aferição do nível de impacto em cada categoria; e, por fim, o último valora os critérios complementares de prejuízo estético.
O método AIPE foi implementado na avaliação do prejuízo estético, com potencial de uso nos âmbitos civil ou criminal, uma vez que o método permite ao perito, médico, cirurgião-dentista ou profissional do Direito:
a) adotar de critérios de intensidade ou gravidade sobre o prejuízo estético e sobre a eventual deformidade provocada,
b) estabelecer questões de uso sujeitas a reavaliações por outros avaliadores, e
c) melhorar os princípios de contradição e mediação ao expor ao julgador as bases dessa avaliação de uma forma singela e evidente.
Porém, o método AIPE não havia sido testado até 2016 com base em metodologia científica na população brasileira. Talvez pelas dificuldades de viabilização do ponto de vista ético. Embora se encontrem outros estudos sobre grau de severidade em alterações faciais envolvendo cicatrizes feitas com recursos computacionais, bem como outros métodos para quantificação do dano estético, a pesquisa comparativa com as visões antes (golden standard) e depois do trauma numa população específica foi desenvolvida pelo Prof. Mário Marques Fernandes:
Diante da importância pública do tema e para permitir maior objetividade às avaliações sobre alteração pejorativa da imagem das pessoas, foi realizado um estudo com dois objetivos:
a) traduzir e adaptar culturalmente as questões constantes nos quatro quadros do instrumento espanhol de AIPE para que o método possa ser utilizado no Brasil; e
b) validar o instrumento AIPE.
Os avaliadores aplicaram o método, por meio de uma sequência de dez imagens que mostraram modelos sem e com lesões (cicatrizes) maquiadas, simulando danos estéticos na face.
Foram reproduzidas com maquiagem de forma evolutiva, uma maior que as outras, na mesma pessoa, permitindo ao avaliador pontuar as imagens reforçando cientificamente a teoria do encadeamento anatomo-clínico das lesões e sua categorização.
Embora este seja um estudo pioneiro na validação transcultural do AIPE, não havendo, portanto, estudos prévios para comparações, os resultados verificados nos testes de confiabilidade mostraram patamares importantes e satisfatórios quanto à variabilidade e homogeneidade dos escores. Os quatro quadros, traduzidos e adaptados culturalmente para língua portuguesa, mostraram ter potencial para oferecer maior objetividade na valoração do dano estético.
Adicionalmente, o atual Código de Processo Civil brasileiro impõe aos peritos que constem alguns aspectos nos laudos, cumprindo o Art. 473. Dentre eles, consta, no inciso III, a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou.
Para o cumprimento dessa tarefa, os peritos e assistentes técnicos necessitam parâmetros que orientem como categorizar o dano estético, objetivando a abordagem subjetiva desse prejuízo.
Portanto, respondendo a pergunta inicial deste tópico, apontamos o método AIPE como mais prático para tarefa de quantificar ou avaliar o dano estético no Brasil,.
A busca pela melhor evidência científica sempre foi um desafio aos pesquisadores, entretanto, alguns seguintes questionamentos restavam pendentes no campo do dano estético: como desenvolver pesquisas nessa área simulando ou reproduzindo lesões traumáticas sem violar os princípios éticos mundiais em pesquisa científica?
Em relação à pesquisa científica no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, a utilização de metodologia na qual se realizem ou reproduzam lesões em seres humanos ou animais é totalmente proibida, esbarrando em aspectos éticos e legais básicos.
Logo, as simulações feitas a partir de maquiagens evolutivas em relação ao tamanho em voluntários foi uma grande sacada. Utilizada com sucesso no incremento da formação técnica e profissional, a confecção de lesões disfarçadas é utilizada em várias áreas da saúde com sucesso.
Na pesquisa feita por Fernandes et al. (2016), a utilização da maquiagem para simulação de lesões abriu uma nova perspectiva, mantendo o objetivo da evidência científica sem desrespeitar o ser humano.
Neste mesmo sentido, o ensino da valoração de danos odontológicos pós-traumáticos ou da avaliação funcional e estética de danos é ministrado, em muitas situações, de forma teórica e ilustrativa com imagens projetadas, distanciando o aluno da vivência prática desse conteúdo.
Por esse motivo, a simulação de lesões por meio de maquiagem pode auxiliar o ensino desse tema e também pesquisas, considerando, por exemplo, a necessidade de comparar a vítima de trauma com o seu estado anterior.
Pensando nisso, O Prof. Mário e a Profa. Gabriela com mais alguns colegas relataram, por meio de uma publicação científica uma experiência docente junto à graduação em Odontologia na Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo.
Nesse estudo foi evidenciando o potencial uso da simulação realística com maquiagem no ensino da valoração de danos pós-traumáticos e incitando a possível utilização em pesquisas na área de Odontologia Legal.
Trata-se de uma metodologia inovadora, com perspectiva promissora no campo da Odontologia Legal!
Autores:
Prof. Mario Marques Fernandes e Profa. Gabriela Cauduro da Rosa
Esse é uma matéria especial a série especial “Valoração do Dano” aqui no blog. Fique atento para ler as próximas edições.