A deglutição ou aspiração de corpos estranhos durante a prática odontológica é uma circunstância desagradável e mesmo este acidente sendo relatado há muitos anos na literatura odontológica, verifica-se que esta situação ainda é reportada pelo fato do Cirurgião-dentista manusear, sem o devido cuidado, os diversos objetos (muitas vezes de pequenas proporções) no interior da cavidade bucal quando executa procedimentos relacionados às várias especialidades.
Dependendo da via anatômica percorrida pelo objeto após o acidente, configura-se a deglutição (via digestória) ou aspiração (via respiratória) do corpo estranho que pode resultar (ou não) em complicações de maior ou menor gravidade, a depender do caso.
Hisanaga et al. (2014) analisaram os registros envolvendo aspiração ou deglutição num período de 4 anos e constataram que dentre os 146 casos desta natureza, 40 envolviam objetos de natureza odontológica, na razão de 1:39 (aspiração/deglutição). Os autores relatam que este tipo de acidente é relativamente raro, uma vez que o número de casos identificados no estudo corresponde a 0,0038% do número acumulado anual de pacientes atendidos pelo serviço, durante o período pesquisado.
Praticamente todas as especialidades clínicas praticadas na Odontologia estão sujeitas às passagem de corpos estranhos pela orofaringe (podendo ser deglutidos ou aspirados), uma vez que os objetos odontológicos tendem a ser de pequenas proporções, com superfícies lisas (às vezes impregnados com saliva) e nem sempre possuem uma conformação para que possam ser manuseados de forma segura.
Estudos como o de Tiwana et al. (2004) , Obinata et al. (2011) e Hisanaga et al. (2014) demonstraram que os procedimentos protéticos e restauradores foram os mais envolvidos nos casos de deglutição/aspiração na prática odontológica, sendo as coroas artificiais, núcleos e pinos intrarradiculares os objetos mais relatados.
Entretanto, instrumentos e objetos utilizados na endodontia (agulha de hipodérmica, broca, lima), ortodontia (banda ortodôntica), implantodontia e cirurgia oral também foram relatados neste tipo de acidente.
Em caso de suspeita de deglutição/aspiração de corpo estranho, os sinais vitais do paciente devem ser monitorados, especialmente a respiração.
Se o paciente estiver calmo, a cavidade oral deve ser inspecionada no sentido de recuperar o corpo estranho, mas diante da não localização do objeto, a hipótese de deglutição/aspiração pode se concretizar.
As pesquisas demonstram que os corpos estranhos (em sua maioria) são deglutidos, ou seja, vão para a via digestória, com bom prognóstico para a saída pelas vias naturais, geralmente sem complicações.
Entretanto, pacientes que aspiram corpos estranhos tendem a ter dificuldade para respirar, alteração na voz, inquietação o que requer atenção e agilidade do profissional no sentido de resguardar a integridade física do paciente. Em determinadas circunstâncias, um serviço médico de urgência deve ser acionado.
Tanto em casos de deglutição quanto em casos de aspiração, o paciente deve ser encaminhado para serviço médico para exame radiológico e localização do corpo estranho.
Parolia et al (2009), Venkatara et al. (2011) e Cossellu et al. (2015) descreveram condutas a serem tomadas em caso de deglutição/aspiração de corpos estranhos que podem auxiliar o profissional em sua tomada de decisão.
As repercussões clínicas diante da deglutição/aspiração de corpos estranhos em Odontologia dependem basicamente da via anatômica seguida pelo objeto e da natureza/conformação/dimensão do corpo estranho.
Objetos de pequenas dimensões, com superfície romba e lisa que foram deglutidos tendem a ser expelidos sem complicações. Entretanto, corpos estranhos de proporções consideráveis deverão ser recuperados mediante endoscopia, como o caso de uma cabeça de espelho intrabucal e a ponta de uma seringa tríplice, com 12,7cm de comprimento. Ainda, objetos pontiagudos podem lesar estruturas ou obstruir o trato gastrointestinal e uma intervenção cirúrgica pode ser necessária.
Por outro lado, se o objeto for aspirado, uma intervenção médica emergencial deverá ser realizada para recuperar o corpo estranho, geralmente por broncoscopia ou cirurgia torácica, uma vez que estes casos são graves e podem comprometer a vida do paciente, especialmente em crianças.
A literatura médica e odontológica relata que a deglutição/aspiração de corpos estranhos na prática odontológica é um acidente evitável na grande maioria dos casos.
Condutas preventivas como o uso de isolamento absoluto, checar a adaptação/encaixe dos equipamentos, usar fio dental para amarrar determinados objetos, manusear os objetos na da cavidade oral somente quando indispensável, posicionar a cabeça do paciente de forma adequada, etc, são importantes neste contexto e visam a preservar a integridade dos pacientes, além de prevenir eventuais demandas éticas e judiciais associadas a este acidente.
Autor convidado: Rhonan Ferreira da Silva (CRO-GO 5536)
Doutor em Biologia Bucodental/Anatomia – FOP/UNICAMP
Mestre em Odontologia Legal – FOP/UNICAMP
Professor de Odontologia Legal – FO/UFG
Perito Criminal Oficial – IML/Goiânia
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