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Seus dentes dizem muito sobre você!

Quem na faculdade de Odontologia achou que da matemática se livraria, achou errado…

A Odontologia Legal, na vastidão de suas possibilidades, descreve uma interface muito curiosa e pertinente com a cronologia da maturação biológica. Neste contexto, o progressivo desenvolvimento dental, que se manifesta não somente em crescimento (tamanho), mas em mineralização coronorradicular, emerge como fonte de informações etárias de interesse odontolegal. O Perito Criminal Oficial, dentre suas atribuições, é o profissional capacitado ao exame minucioso do estadiamento dental para inferir conclusões quantificadas acerca da idade do periciando. A este processo técnico-científico aplica-se o termo “estimativa de idade”.

Nas perícias odontolegais, a estimativa de idade possui utilidade para o vivo ou para o morto. No vivo, exames imaginológicos, em sua maioria bidimensionais, viabilizam o acesso às características anatômicas de dentes e ossos. Estas características, de conhecimento prévio do profissional, servem como bússola para guiar o perito em direção à determinada faixa etária de interesse legal.

No Brasil, as idades de 14, 16 e 18 anos revelam maior relevância, uma vez que delimitam o consentimento sexual, o período de capacidade relativa e a maioridade (civil e penal), respectivamente. Há de se selecionar, neste âmbito, o método que melhor se adequa à finalidade de se estimar, com maior fidedignidade, a idade para cada faixa etária.

Da perspectiva global, a estimativa de idade do vivo encontra aplicação, principalmente, em casos que envolvem migração clandestina, requerentes de asilo, imputabilidade, adoção e prática desportiva. No morto, o processo de estimativa de idade remete ao exame antropológico, quando em conjunto com informações sobre o sexo, a estatura a ancestralidade (e outras, como a destreza manual) direcionam à identificação reconstrutiva. Mesmo quando da presença de dados antemortem e postmortem que permitam a identificação comparativa, a estimativa de idade contribui a ponto de reforçar e corroborar o laudo pericial com informações técnicas adicionais.

Na seara odontolegal, o exame dos dentes prevê a análise de três parâmetros essenciais, a bioquímica do esmalte e da dentina em busca de assinaturas isotópicas ou a racemização de ácidos, por exemplo. Contudo, ao passo que este parâmetro é tido como acurado, é também invasivo (requer a destruição do dente) e dispendioso.

Outro parâmetro leva o nome de morfológico e consiste nas alterações progressivas dos dentes ao longo da vida, como a atrição, a deposição de dentina secundária, o nível de inserção do suporte periodontal, a aposição de cemento, a reabsorção e a translucidez radicular. Tendo em vista que tais fatores são, em suma, variáveis quanto ao acometimento e severidade, opta-se por utilizá-los como recursos finais quando outras informações de maior confiabilidade não estiverem disponíveis – como, por exemplo, em adultos.

Destaca-se, em face destas possibilidades, o parâmetro de desenvolvimento, observado da infância à fase adulta, quando do fechamento dos ápices dos terceiros molares, em torno dos vinte e três anos de idade. O parâmetro de desenvolvimento, por si só, merece ênfase, uma vez que lança mão de possibilidades metodológicas práticas, imaginológicas (pouco invasivas) e, ainda, acuradas. O destaque deste parâmetro se dá pelo fato de que múltiplas informações etárias sedimentadas em paralelo (desenvolvimentos concomitante dos dentes decíduos e permanentes) permitem ao perito a combinação de evidências para exames de estimativa de idade mais adequados.

No escopo técnico, as abordagens para a estimativa de idade possuem descrição qualitativa e quantitativa.

Na primeira, opta-se por evitar parâmetros de maior susceptibilidade, como a erupção dental, pois esta pode ser afetada por características individuais, como o apinhamento, a extração precoce ou tardia, a impacção e o trauma. Por isto, toma-se como fonte de informação etária o processo de formação coronorradicular e seu estadiamento em níveis crescentes ordinais. São métodos baseados no estadiamento dental consolidados e reconhecidos na literatura internacional, o método de Demirjian et al. (1973), Willems (2001) e Gunst et al., (2003).

Apesar de fundamentados no estadiamento, estes métodos podem divergir quanto ao padrão de alocação do estágio de desenvolvimento. Os estágios preconizados por Gunst et al. (2003), neste sentido, estabelece estágios que dividem o dente em partes e predizem a quantidade remanescente a ser desenvolvida (ex.: ½ da raiz formada). Já os estágios utilizados por Demirjian et al., (1973) correlacionam a quantidade de raiz desenvolvida com a quantidade proporcional de coroa presente (ex.: altura da raiz = atura da coroa). Os métodos quantitativas, por sua vez, requerem a participação do examinador não somente na leitura das imagens, mas na mensuração de distância dentais. Atualmente, um dos métodos mais testados e eventualmente validados internacionalmente é o método de Cameriere et al., (2006), que promove a modulação de informações etárias em fórmula de regressão adaptável para diferentes populações.

Percebe-se, desta forma, que nas populações de idade inferior (crianças e adolescentes) o exame pericial para a estimativa de idade é predominantemente imaginológico.

Diferente do que possa parecer, o padrão ouro nestes exames é a utilização de exames por imagem bidimensionais (radiografias panorâmicas ou periapicais) pois, nestes, pondera-se o benefício do exame pericial à Justiça frente a dosagem de radiação ionizante eventualmente experimentada pelo periciando.

Ao presente momento, métodos tridimensionais já foram propostos e testados, sendo justificados para casos maior complexidade (adultos) ou casos que envolvam a identificação do morto. Suficientes para exames pericias de estimativa de idade com acurácia aceitável, as radiografias panorâmicas permanecem justificadas para viabilizar perícias em crianças.

Ao perito, vale-se lembrar que o erro do método de estimativa de idade resulta da subtração da idade estimada pela idade cronológica. Caso o valor resultante seja positivo, considera-se uma eventual superestimativa, enquanto resultados negativos apontam em direção à uma idade subestimada. Estes conceitos são palpáveis na prática pericial, mas também válidos para a ciência que remonta a estimativa da idade em Odontologia Legal. Nos estudos desta área, amplamente observacionais (transversais ou caso-controle) ou meramente descritivos, busca-se aproximar a idade estimada da cronológica a fim de se minimizar o erro do método e traduzir seu desempenho para a prática.

Interessado em aplicar a estimativa de idade na prática clínica também? Por meio dela é possível se aferir a maturação dental ou esquelética de pacientes e promover inferências comparando-os com curvas de progressão em normalidade (padrão populacional), esta ferramenta é de grande valia para especialidades que se dedicam aos pacientes especiais (especialmente portadores de condições sistêmicas), pediátricos e ortodônticos.

 

Esse texto foi produzido pelo Prof. Dr. Ademir Franco do Rosário Junior

  • Pós Doutor, Doutor e Mestre em Odontologia Legal pela Katholieke Universiteit Leuven, Bélgica;
  • Professor em nível de graduação (Disciplinas de Anatomia, Odontologia Legal e Radiologia Odontológica) e pós-graduação da Faculdade São Leopoldo Mandic – unidade Campinas;
  • Professor Coordenador do Curso de Especialização e Mestrado em Odontologia Legal SLMandic.

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