Sim, consideravelmente. O trauma de cabeça e pescoço é muito discutido na literatura devido à sua alta incidência no Brasil, porque essa é uma região muito exposta e geralmente desprotegida. Nela está inserido o sistema estomatognático, que compreende: as arcadas dentárias, maxila, mandíbula, articulação temporomandibular (ATM), ossos do crânio, osso hioide e estruturas neuromusculares. Lesões nessas regiões podem alterar consideravelmente a qualidade de vida das pessoas, seja na fala, mastigação, fonética, além da insatisfação com a aparência e diminuição da autoestima. A relação entre a imagem corporal e o bem-estar é muito forte, e qualquer alteração pode afetar o indivíduo.
Em centros de emergência de trauma de face, nas últimas quatro décadas, houve um aumento significativo dos acidentes automobilísticos e da violência urbana, e como consequência, as lesões faciais se tornaram mais frequentes. Os homens tendem a apresentar maiores taxas de lesões faciais, pois as principais causas são acidentes de trânsito, quedas e violências, que juntas aumentaram 50% nos últimos anos.
O Código Civil Brasileiro ressalta que todo dano causado em decorrência de ato ilícito deve ser reparado, seja monetário ou não. Quando instaurado o processo cível, o reembolso do mesmo deve ser proporcional ao prejuízo causado à vítima, que pode ser físico ou psicológico. Para apurar esse valor, é necessário avaliar a lesão corporal para identificar as consequências causadas à vítima. Essa avaliação dos danos é feita por meio de análise detalhada realizada por perito que encaminha as informações à autoridade competente para determinar o quantum indenizatório, seja por danos morais, estéticos e materiais. Esta avaliação de lesão corporal carece de padronização de abordagem. É extremamente importante reunir os métodos em situações em que a avaliação de danos é necessária, de modo que casos similares tenham indenizações semelhantes e justas.
Analisando dados de domínio público junto ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entre os anos de 2008 a 2016, foram encontrados 43 acórdãos de processos relacionados a acidentes de trânsito, quedas ou agressões que atingiram a face. Verificou-se que 86% dos autores e dos réus das jurisprudências são do sexo masculino. Em 62,7% dos processos a agressão física foi a forma de trauma mais frequente e a consequência do dano foi fratura dentária com 53,49%. Os valores para danos morais variaram entre R$ 1.500,00 e R$ 20.340,00 reais, para dano estético de 2.000,00 e 20.000,00. Os traumas da face e suas estruturas adjacentes foi mais prevalente em Porto Alegre, seguida de Caxias do Sul.
De acordo com um estudo realizado no hospital de urgências e traumas Senador Humberto Lucena, no estado da Paraíba, a etiologia mais frequente para o trauma facial foi a agressão física com 35,7% dos casos analisados, corroborando com os dados encontrados na jurisprudência. Porém, ao contrário desta pesquisa, no estado de São Paulo a etiologia mais recorrente encontrada foi acidente de trânsito, correspondendo a 48,8% dos casos, seguido de quedas, com 26,5% e, por fim, agressões, com 23,5%.
No que se refere ao gênero, seja como autor ou réu, o sexo masculino foi mais recorrente. Isso pode ser explicado pelo fato de que os homens são mais propensos a causar traumas, pois tendem a se envolver mais ativamente em eventos de risco, como brigas, atividades extremas e direção imprudente.
O tipo de lesão mais encontrado prevalente foi a fratura dentária seguida pela perda do dente. O sorriso é a essência da comunicação humana, e uma vez perdida a satisfação com a aparência, podem ser gerados danos, tanto de natureza física quanto psicossocial. Todos os danos causados, sejam monetários ou não, devem ser reparados
O dano estético é considerado uma compensação não monetária, tendo como principal problema do cálculo dos referidos danos, pois avaliar uma causa de dano a um terceiro é uma tarefa subjetiva, que depende dos sentidos do perito, especialmente do tato e da visão.
Dada a sua subjetividade, muitos especialistas e magistrados deixam de avaliar a magnitude de tais danos à vida da vítima. Ao compararmos este dado com o estudo feito no RS, ambos apontam para o mesmo sentido. Observa-se que é clara a vocação para a indenização por danos morais, não contemplando, portanto, a reparação do dano efetivamente sofrido. Isso sugere uma tendência de os processos assumirem caráter comercial.
A principal limitação do estudo feito no RS citado acima é ter acesso apenas à o julgamento. Para uma análise mais aprofundada, seria ideal ter uma visão geral do conteúdo do laudo produzido pelos peritos, no entanto, essa grande lacuna entre os valores máximos e mínimos sugere a falta de objetividade e um padrão para o processo de cálculo de danos, tanto no RS como em muitas regiões brasileiras. No Brasil, neste tipo de avaliação, um dos maiores desafios dos peritos é a quantidade de detalhamento do laudo pericial e a metodologia correta a ser utilizada, se destacando então, a importância de se fazer um laudo correto, que poderá ser a principal prova utilizada pelo magistrado.
As jurisprudências nos permitiu verificar a tendência de necessidade e valorização do perito cirurgião-dentista para quantificação de danos envolvendo o complexo bucomaxilofacial. O trauma facial é mais prevalente em autores e réus do sexo masculino, a origem mais frequente foi a agressão física e o tipo de lesão mais recorrente foi a fratura dentária. A tendência de indenização por danos morais foi mais observada, em comparação com os danos estéticos.
Gostou? Acesse o artigo original.
Autores:
Prof. Mário Marques Fernandes e Profa. Gabriela Cauduro da Rosa
Esse texto faz parte de nossa editoria especial “Dano Funcional e Estético”. Para ver outros textos nessa temática, acesse pelos links abaixo.
Como fundamentar o laudo quando o periciando não apresentar dano estético?
Dano estético na face: conheça algumas características deste tipo de reparação.