A odontologia brasileira é uma das mais evoluídas do mundo, técnica e cientificamente. No ano de 2022, três universidades brasileiras despontaram entre as cinco melhores do mundo no curso de Odontologia. Por essas e outras, os profissionais Cirurgiões Dentistas brasileiros carregam em sua carreira clínica, a chancela de ótimos profissionais, o que consequentemente gera grandes expectativas e uma grande responsabilidade, já presente naturalmente na área de atuação.
Embora a qualidade da odontologia Brasileira tenha um nível elevadíssimo, os números mostram que os processos contra cirurgiões dentistas crescem diariamente, sendo assim, avaliamos alguns pontos importantes sobre medidas profiláticas a serem tomadas pelos profissionais, para sua proteção quanto ao erro e suas consequências. Saiba mais sobre a profilaxia do erro odontológico.
Todos sabemos que os tratamentos odontológicos vão além dos procedimentos em si, pois a responsabilidade do Cirurgião Dentista se inicia a partir do momento em que a secretária atende o telefone e marca a primeira consulta e não se finda em um prazo determinado. Profilaticamente, após esse primeiro contato, o profissional deve ligar automaticamente o sinal de alerta e criar uma série de procedimentos, que, aos poucos, devem tornar-se automáticos em suas rotinas clínicas.
Estes procedimentos, reunidos, criam medidas profiláticas que, ao mesmo tempo que colaboram para uma boa prática clínica, previnem e respaldam o profissional em casos de processos, influenciando diretamente nos resultados das demandas, caso sejam elas inevitáveis.
O processo profilático do erro odontológico pode ser dividido em quatro etapas bem distintas.
O primeiro pilar profilático seria usar todas as ferramentas para não errar.
O segundo, evitar, errando ou não, o início de um processo.
O terceiro, a confecção de uma documentação que resguarde amplamente o profissional, caso o processo ocorra.
Por fim, o quarto pilar, consiste na orientação de um Especialista em Direito Odontológico para a criação de uma defesa robusta de uma blindagem, a fim de que os prejuízos com o processo sejam os menores possíveis.
Exatamente. O primeiro pilar profilático do erro seria a preocupação do profissional na aplicação de todo seu conhecimento técnico adquirido para que o verdadeiro erro não aconteça. Esse pilar é formado quando o Cirurgião Dentista age com a devida perícia, diligência e prudência em suas rotinas clínicas, aplicando às suas práticas, todo o conhecimento técnico presente na literatura, dessa forma, o profissional minimiza a possibilidade de erro de diagnóstico.
Para tanto, devem ser bem definidas também a técnica eleita para o procedimento e a execução da técnica. Sendo assim, o primeiro pilar seria simplesmente usar de todo o leque de conhecimentos existentes, a fim de evitar a ocorrência do erro.
Enquanto a medida profilática inicial é aquela onde se evita literalmente que o erro ocorra, a segunda medida seria evitar que o processo se inicie. Embora, inconscientemente, todo profissional aplique a primeira medida profilática, já juramentada em sua graduação, todos estão submetidos à possibilidade do erro por conta da complexidade da ciência odontológica.
Infelizmente, sabemos que muitas vezes o processo judicial se dá mesmo sem a existência do erro, mas sim por um desgaste recíproco na relação, seja por uma deficiência na capacidade de comunicação do profissional, ou por um baixo entendimento do paciente. Esse desentendimento, mesmo sem a presença do erro real, acaba desgastando moral e psicologicamente as partes, porém, o dever de informar e se comunicar exaustivamente, até o entendimento do paciente, independentemente de seu nível cultural e intelectual, é responsabilidade do profissional.
Sendo assim, o segundo pilar profilático a ser aplicado seria a manutenção de uma boa Relação Dentista X Paciente, a concentração de esforços para evitar a “coisificação” do indivíduo, e a humanização no trato e também a aplicação de um manejo racional das expectativas do paciente, a fim não frustrá-lo.
Fica claro que a simplicidade no atendimento e no dever de informar fazem com que o paciente sinta-se acolhido, consciente de todas as terapêuticas que a ele serão aplicadas, e, consequentemente, mantenha a confiança inicial no profissional que escolheu.
Definitivamente, vivemos em tempos de massificação das relações de consumo e também nos deparamos com uma crescente conscientização dos direitos dos indivíduos, sendo assim, uma relação empática, justa e transparente, tende a garantir que, embora o erro aconteça, o mesmo seja sanado entre as partes, evitando a judicialização.
Se mesmo com a aplicação dos dois primeiros pilares o paciente não se satisfizer com o tratamento ou com a informação prestada e decidir bater às portas do judiciário em busca de seus direitos, é de suma importância que o profissional tenha capacidade documental para se defender durante esse processo, pois nesse momento, todos os registros realizados pelo profissional serão fundamentais. Sendo assim, o terceiro pilar profilático é a criação do hábito de registrar toda vida pregressa do paciente em um prontuário bem executado.
O prontuário é um dos poucos, se não for o único documento que é produzido por uma das partes, mas tem um peso fundamental em qualquer processo, e quando guardado devidamente, torna-se o maior aliado do profissional.
Importante também é que, embora o prontuário seja do paciente, é do profissional a responsabilidade pela sua guarda, e, embora exista uma variação na determinação do tempo de guarda, é sensato e responsável que os profissionais de saúde tomem por base o tempo mais longo encontrado em lei para esta guarda, o que seria o proposto pelo Código Civil, de 20 anos, porém, o Código de Defesa do Consumidor alerta que o prazo prescricional é de 5 anos, a partir do conhecimento do dano.
Como não se trata de uma ciência exata, muitos danos, erros ou iatrogenias podem vir a ser conhecidos após muito tempo de sua ação, às vezes até num tempo maior que o prazo de 20 anos previsto no Código Civil, o que torna o tempo de conhecimento do dano, imprevisível. Assim, o tempo de guarda do prontuário passa a ser indeterminado, uma vez que o mesmo serve como prova a qualquer momento.
Se o processo se iniciar, chegou a hora de o profissional implementar o quarto pilar profilático, que consiste em procurar o mais rápido possível a ajuda de um Profissional Especializado neste tipo de demanda.
Antes de qualquer formulação de defesa é importantíssimo que o Cirurgião Dentista reúna toda a documentação pertinente ao caso e, junto com seu Advogado especializado em Direito Odontológico, e Assistente Técnico especializado em Odontologia legal, avaliem todas as possibilidades dispostas na inicial, formulando assim uma defesa robusta e quesitos que impactem positivamente no laudo pericial, uma vez que a maioria das decisões se baseiam nele.
Outro fator importante dentro desse pilar profilático é a contratação, pelo Cirurgião Dentista, de um seguro profissional para sua blindagem patrimonial. Embora existam alguns seguros coletivos oferecidos por instituições, o ideal é que o profissional, junto com seu Advogado, avalie minuciosamente todas as cláusulas contratuais para não ter nenhuma surpresa quando precisar acioná-lo.
Ainda que o processo seja bem conduzido, ainda que o profissional não tenha cometido o erro, não existe uma previsibilidade certeira dentro de um processo, assim sendo, alguma decisão condenatória poderá surgir, e, dessa forma, o seguro de responsabilidade profissional auxilia o profissional nesse momento.
Autor: Dr. Daniel Israel
Mestre em odontologia legal pela FOP/Unicamp.
Especialista em direito médico, odontológico e da saúde pela USP.
Sugestão de vídeo: Dúvidas gerais sobre contratos em Odontologia.
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